Recolho-me em um momento de respiração profunda. Ouço vozes que me dizem que preciso cumprir algumas rotinas. Fazer o meu café da manhã, tomar banho... Lá fora, as pessoas devem estar apressadas tirando seus carros das garagens e buzinando freneticamente para serem percebidas.
Mas eu escolho estar no meu silêncio, ouvindo apenas a minha respiração. É o meu momento de escolher ver além-pensamentos, além-programações. Em um mundo cheio de informações imediatas, celebro a minha escolha de sentir a voz da minha alma, simplesmente sentindo que estou vivo. O momento presente é o milagre!
Em uma época não muito distante, estar vivo para mim era acordar cedo e cumprir rotinas e padrões, que tornam os humanos limitados, mas, aparentemente, seguros e adequados ao convívio social. Os jogos que fazem parte das experiências humanas limitantes se ancoram em muitas vozes externas.
Vozes que dizem como devemos estar e o que temos que fazer. Algumas dessas vozes parecem tão reais, que gritam: “Levanta daí, vagabundo, vai lutar pra sobreviver, vai vencer na vida! As coisas não caem do céu!”. Outras são doces e sussurram aos nossos ouvidos: “Você precisa fazer o seminário do Mestre Makyo. Ele está trazendo o código do cofre que esconde o tesouro do universo em cinco meditações”.
Sim, enxergamos o que, em uma determinada consciência, escolhemos enxergar. Algumas escolhas já fizemos, mas nossos olhos humanos ainda não conseguem vê-las. Digo por minha própria experiência.
Habituei-me a ir frequentemente a oftalmologistas desde criança porque tinha muita irritação nos olhos (um tipo de conjuntivite crônica). Em uma dessas consultas, o médico prescreveu para eu usar óculos. E, assim, eu comecei, literalmente, a não enxergar com meus próprios olhos. Desde então, foram vários graus e modelos. Com eles, eu acreditava que enxergava melhor o mundo.
Além de me sentir importante podendo adquirir sempre uma nova grife e um novo modelo. Nada de errado nisso, mas enxergar através daquelas lentes, simbolicamente, se tornou um padrão para mim. Quando liberei o meu emprego público, senti que era hora também de liberar meus óculos. Eu simplesmente não quis mais enxergar através deles.
Hoje, enxergo por mim mesmo. Ainda não enxergo tudo o que escolhi, mas eu já sinto as mudanças na minha nova visão. Não vejo flores em tudo, porque eu descobri também que podemos ver as coisas, até as flores, de uma perspectiva diferente, senti-las com cheiros diferentes, inclusive. Os olhos da alma não arranham ou quebram. E o modelo é exclusivo, único.
Quando liberei meu velho emprego - apesar de continuar liberando, até agora, muitos aspectos que me ligavam a ele - não me delimitei a um roteiro. Não alimentei ilusões que sobreviveria como artista, consultor ou qualquer outra coisa. Eu escolhi simplesmente mudar. Sim, mudar! Receber sem precisar lutar para isso. Permitir os presentes na minha vida.
Muitas vezes, repetia para mim que não podia viver sem um salário “certo” e fixo. Mas podemos tudo através do nosso criar. Eu criei o momento do meu salto há dois anos. E, ao contrário dos vinte anos de salário todos os meses no “dia certo”, eu não tive mais a garantia de dinheiro ao longo do mês.
Nunca houve nenhuma garantia nesse sentido, além da segurança em mim mesmo. Mas, ao ver as coisas pelos olhos da alma, descobrimos muito senso de humor também. E a abundância se revela em pequenas coisas. Um notebook quebra e, no mesmo dia, aparece outro novinho em folha e de onde você menos espera. Os presentes surgem sem maiores explicações ou sentido. E olha que estou apenas voltando a enxergar (risos)!
Quando enxergamos com as lentes humanas, frequentemente, dizemos que não vemos nada acontecer ou vemos de uma perspectiva muito linear, a ponto de acreditarmos que existe algo de errado acontecendo nas nossas vidas. E eu compreendi que não há, foram apenas experiências. Sentir que “Não Importa” é liberação. E liberar não exige explicações, análises ou ponderações. Fodam-se os detalhes! Eu simplesmente escolhi que a brincadeira começasse.
Mudei algumas vezes de cidade. Não porque seja necessário mudar de espaço geográfico ou não conviver com essas ou aquelas pessoas. Mas porque eu me permiti fluir com as energias que eu estava movimentando. Repito: nunca existiram garantias. Mas fui “louco” e “insensato” o suficiente para me deixar fluir. Enfim, estou AQUI!
Algumas pessoas me criticaram, mas elas não importam e nunca verdadeiramente importaram mais do que eu mesmo. E elas próprias até podem se iludir achando que se importaram comigo.
De minha parte, eu tornei as coisas mais simples quanto pude. Respirei profundamente e... Fui! Não escolhi mais ficar como estava, na rotina dos padrões. Ficar como estava representaria o “não permitir”, o “não receber”, o “não agora”, a “não integração”, o “não enxergar”.
A programação diz que mudar não é seguro, não dá garantias. Mas eu não escolhi passar mais uma existência na comodidade dos meus aspectos. Para mim, isso seria mais ou menos como ser hipócrita comigo mesmo para ser socialmente aceito ou ter o discurso agradável para manter sempre uma plateia de seguidores. Eu não escolho mais me reduzir a uma pequena parte do que Sou.
Quando uma voz sugere que você precisa aprender mais para depois ter alguma atitude, não é a voz da sua sabedoria, da sua alma, da sua essência ou como você queira chamar que está falando. É a voz dos seus aspectos.
Aspectos que aprenderam a repetir programações, padrões. Aprenderam a aprender, em vez de, simplesmente, sentir e ir além. Aprender pode ser uma diversão, mas a alma não precisa aprender nada para Ser. Ninguém poderá me dizer como Eu Sou. Eu é que me redescubro por mim mesmo.
Qualquer mudança que fazemos é um milagre. Porque milagres são simplesmente presentes inusitados que nos proporcionamos. E permitir presentes em nossa vida não requer esforço, mas estarmos abertos para recebê-los.
(LH)
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