Você sente inveja?
A inveja é um afeto que remonta a história da própria humanidade.
A inveja é um afeto que remonta a história da própria humanidade. O primeiro homicídio registrado na Bíblia, o assassinato de Abel por Caim, teria sido motivada pela inveja que o segundo tinha do próprio irmão.
A palavra inveja vem do verbo latino “invidere”, que mescla “negar” (in) e “olhar” (videre). Remete a um “olhar negativo” projetado no que o invejoso acha que o outro é ou tem.
Diferentemente de quem cobiça, quem sente inveja quer, de forma exclusiva, o que o outro tem. Mesmo que, para isso, ele destrua o que deseja.
A inveja também é distinta da admiração, apesar de nem sempre ser fácil entender, na prática, quando se trata de uma ou de outra. Em ambas, há uma identificação do indivíduo com o outro. Mas, na admiração, a identificação se dá de forma benigna.
Quando o limite saudável da admiração é rompido, é porque as identificações com o outro passaram a ser excessivas, dando espaço para imitações. Esse excesso patogênico contribui para a baixa autoestima do invejoso.
O invejoso sofre com a falta do que ele julga que outro é possuidor (pode ser algo material ou imaterial). Assim, não importa que ele consiga algo semelhante ou melhor, porque o ideal a ser alcançado é o que é do outro. Isso ocorre porque ele acredita que o que ele deseja não pode ser dividido ou partilhado.
O comportamento do invejoso é muito crítico em relação às conquistas dos demais. Ele menospreza ou tenta sabotar o valor dessas conquistas. Como está sempre idealizando, projetando e se comparando com os outros, age como se todos à sua volta também o invejassem. Com isso, fica sempre na autodefesa, com receio de ser alvo de suas próprias crenças.
A psicanálise, desde o seu início, buscou estudar as causas e os efeitos da inveja. Melanie Klein (1882-1960), na obra “Inveja e Gratidão” (1957), referiu-se a inveja como derivada da pulsão de morte. Enquanto Freud (1856-1939) elaborou o conceito de “inveja do pênis” para se referir ao poder do “falo”.
Para a psicanalista Janine Chasseguet-Smirgel (1928-2006 ), o poder fálico invejado é o que daria uma “uma total segurança, liberdade e isenção de culpas”. Segundo a autora, essa inveja poderá ser sentida, indistintamente, por qualquer um, independente de gênero, porque estaria vinculada a fatores culturais.
Jacques Lacan (1901-1981) considerava que a inveja fazia parte da humanidade e aparecia muito cedo na vida do indivíduo. Mas não antes de o bebê atingir determinada “maturação neurofisiológica", momento em que ele vai se distinguindo dos seus cuidadores e do seu meio e começa a estabelecer vínculos sociais.
No entanto, isso não significa que todo indivíduo seja invejoso. Apesar de que, em algumas pessoas, esse comportamento pode se tornar problemático, como parte de um quadro mais complexo que precisa de tratamento.
Uma questão que os analistas constatam é que pacientes muito invejosos não demonstram culpa. Mas frequentemente sentem vergonha da sua condição, apesar do pouco nível de empatia que apresentam.
Outro ponto é que a dificuldade de fazer vínculos sociais saudáveis causa um sentimento de inadequação. Isso inibe a fluidez dos relacionamentos, que são sempre baseados na sua busca incessante por atenção e reconhecimento.
Para o êxito do processo analítico, é fundamental que sejam criadas condições para que o analisando se sinta seguro para falar livremente. Não há como compreender o invejoso fazendo julgamentos sobre suas ações. O analista deve estar muito atento ao manejo da transferência, principalmente em pacientes mais regredidos.
Referências:
KLEIN, Melanie. Inveja & Gratidão e Outros Trabalhos (1946-1963). Imago, 1991.
ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática. Porto Alegre, 1999.