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O Normal e a Cultura da Patologização

A partir do que é estabelecido como “normalidade” para uma sociedade, podemos ter uma ideia do que ela irá “patologizar”.

O Normal e a Cultura da Patologização

A partir do que é estabelecido como “normalidade” para uma sociedade, podemos ter uma ideia do que ela irá “patologizar”.

Bem antes da psicanálise, filósofos como Kant, Nietzsche e Descartes já discutiam os conflitos da subjetividade humana. É de René Descartes a frase: “Penso, logo existo”.

A subjetividade é influenciada por muitos fatores, inclusive as mudanças econômicas e sociais. E a pós-modernidade trouxe uma cultura em que o indivíduo julga e é julgado o tempo todo, resultado de uma excessiva exposição da imagem.

Em consequência, ele está cada vez com mais ocupações, metas, propósitos… Não existe mais tempo para experienciar as próprias frustrações e perdas, naturais no “existir”.

Vou dar como exemplo um acontecimento aparentemente banal: uma pessoa que acabou o relacionamento com alguém que acreditava que, potencialmente, poderia dividir o resto dos seus dias.

Como será elaborada essa perda se ela precisará lidar com a mesma rotina (produzir no trabalho, pagar as contas, fazer feira, ir à academia…) de antes? Como passará a ser a sua relação com a sua vida e com o seu desejo?

Alguém que passa pela perda de um relacionamento não terá o mesmo interesse pelo mundo externo. O normal é que, no exemplo acima, não haja vontade de cumprir a mesma rotina, porque a energia deverá ser poupada para elaboração da separação.

Mas a nossa sociedade tem a cultura da pressa, porque normalizou o consumo em excesso como um parâmetro de realização individual. Os níveis de produtividade precisam ser altos.

Quem ainda não se deparou com aqueles discursos que dizem pra gente “sair da zona de conforto”, “ter metas”, “fazer planejamentos” para que alcancemos nossos propósitos e, assim, darmos um sentido à nossa vida.

Nada contra ter metas e objetivos, mas é importante compreender o que está em jogo. O risco da aposta é alto quando idealizamos os nossos propósitos a ponto da vida não ter sentido se não os alcançamos. Isso também serve para o que a gente espera do outro.

A régua da normalidade avalia o quanto estamos sendo eficazes nesse sentido. Ela mede nosso sucesso, nossa imagem, quantas atividades estamos conseguindo fazer ao mesmo tempo. E quando não alcançamos o nível esperado, só cabe a nós a responsabilidade por isso.

As consequências psíquicas de acontecimentos traumáticos, como a perda de um relacionamento, de um animal de estimação são generalizadas, muitas vezes, nos diagnósticos de transtornos, de depressão etc. A cultura da medicalização “patologiza” a subjetividade humana.

Não estou falando do tratamento medicamentoso que pode ser necessário em se tratando de psicopatologias. Mas sobre a medicalização que nega a subjetividade do indivíduo e torna “anormal” situações normais da existência.

É certo que cada indivíduo vai reagir a um determinado acontecimento ao seu modo e vários fatores serão determinantes. O que pode ser enfrentado com normalidade por uma pessoa pode se tornar um quadro patológico em outra.

Mas, diante da proliferação dos diagnósticos, o que está sendo realmente diagnosticado?

É fato que o indivíduo não está conseguindo lidar com as suas frustrações frente ao grande número de demandas sociais a que atualmente está comprometido. Isso toma tempo e o mundo o pressiona, afinal a “fila anda”.

Lidar com a própria tristeza em uma cultura narcísica pode ser mais difícil e complexo do que ser diagnosticado com bipolaridade ou depressão. Dar conta de si mesmo não é um processo fácil, mas necessário.

Nós podemos muito, mas não podemos tudo. Metas de felicidade, sucesso profissional, manter a democracia, conseguir a liberdade… O que não é possível não tem a ver com falta de capacidade ou de potência.

Nesse momento, o que é possível para mim?

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