Frase Psicanalítica | Raul Seixas
O indivíduo, hoje, continua sem conseguir camuflar a sua angústia, preso a um sistema econômico “selvagem” e as suas receitas de “felicidade”.
"Eu devia estar contente
por ter conseguido tudo o que eu quis.
Mas confesso que estou decepcionado."
Com “Ouro de Tolo”, Raul Seixas faz uma crítica à sociedade que oferece um cardápio de pequenos objetos de desejo que podem ser alcançados, mas não exatamente usufruídos.
Seu tema é atual, apesar da sua letra ter sido escrita nos anos 1970. O indivíduo, hoje, continua sem conseguir camuflar a sua angústia, preso a um sistema econômico “selvagem” e as suas receitas de “felicidade”.
Para a psicanálise, são muitas as perspectivas que a letra pode abordar, como a fantasia, o real… Mas o trecho em questão pode remeter à depressão como um “sintoma” social.
Quem de nós nunca ouviu alguém dizer: “fulano tem tudo, mas está com depressão”? Ora, para o senso comum, quem consegue tudo o que quer deveria estar “satisfeito”!
A partir desse “tudo”, deduz-se que nada falta ao outro. Isso colabora para aumentar ainda mais a sensação de fracasso do indivíduo diante do seu quadro.
Quem antes era visto como “vencedor”, por ser bem-sucedido, passa a ser encarado como alguém improdutivo e covarde. O que dificulta a pessoa procurar suporte profissional.
Mas a depressão não tem apenas uma cara; ela se mostra de várias formas. Pode ser, por exemplo, a consequência de uma perda que não foi elaborada quando deveria, de uma mudança de vida (a transição para a adolescência, mudança de trabalho, de cidade...) ou de uma enfermidade que produz um isolamento, como no caso da Covid-19.
Outras vezes, a depressão se instala quando o indivíduo não consegue reconhecer o que quer, o que deseja. E vivencia ciclos intermináveis de pequenos fracassos em uma postura de não enfrentamento que o deixa vulnerável.
Nesse caso, com a autoestima em baixa, em meio à incerteza e ao ceticismo, o indivíduo pode interpretar como sinal de sua fraqueza o mais singelo gesto de solidariedade.
De toda forma, há sempre o risco dele nunca procurar ajuda e “banalizar” o seu sofrimento como parte do “destino". Ou ser confundido como alguém com falta de fé ou firmeza moral. Mesmo porque, ainda se resiste ao que afeta a psique. Mas a consequência disso pode ser fatal.