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Frase Psicanalítica | Kid Abelha

O abuso psíquico (e o físico) é um tema delicado e difícil, mas que precisa ser sempre abordado.

Frase Psicanalítica | Kid Abelha

"Agora não tem jeito
Cê tá numa silada
Cada um por si
Você por mim
E mais nada."

À primeira vista, a letra de “Como eu quero”, pode parecer romântica. Mas, no fundo, fala de uma relação de abuso. É disso que se trata o refrão: “Eu quero você como eu quero” (ou seja, quero o outro de acordo com minhas próprias regras).

O abuso psíquico (e o físico) é um tema delicado e difícil, mas que precisa ser sempre abordado. Ele está em todo mundo e em todas as camadas sociais, se apresentando das mais variadas formas.

De tão insidiosa, a energia do abuso age como um “vírus” que está presente nas sombras dos relacionamentos nas famílias, no trabalho, na política, na religião ou qualquer outro ambiente em que o humano possa exercer seu poder sobre outro de forma distorcida.

Como no caso da letra da música, o relacionamento abusivo pode assumir um rótulo amoroso, a vítima pode pensar que está tendo atenção, que está sendo cuidada. Mas é uma “cilada”, porque a energia que está por trás é a da manipulação e do controle.

Mas será que a “vítima” do abuso percebe que está sendo manipulada? Em muitos casos, infelizmente, não. Ela vai negar isso para si mesma através do que a psicanálise denomina “mecanismo de defesa”.

Todos os indivíduos têm em sua estrutura psíquica uma instância denominada ego. O ego, por sua vez, possui inúmeras funções. Entre elas, a da percepção.

A percepção indica, entre outras coisas, como o indivíduo interpreta a intenção do outro e avalia os seus impactos na sua própria vida. Mas o ego, para se defender de uma verdade, pode desvirtuar a forma normal como uma intenção seria interpretada.

Uma das formas de “negar” esse conhecimento do outro foi o que Freud denominou de “verleugnung”, termo que pode ser descrito como recusa de aceitar algo que, no íntimo, se sabe que é verdade.

Ao interpretar como amor o abuso do outro, a carência abre espaço para a banalização do sofrimento, fortalecendo o vínculo de dependência. Essa tolerância cria um padrão abusivo para todas as outras relações sociais que se sucedem ao longo da vida.

Mesmo que a pessoa mude de parceiro, de ambiente, de país, o padrão de abuso vai estar presente porque já estarão envolvidos outros sentimentos, como a culpa. Inclusive, há casos clínicos relatados onde a vítima de uma relação pode se tornar o abusador de outra.

Pode ser difícil sair de um relacionamento desse tipo, porque a pessoa pode passar uma vida inteira sem reconhecer que está nele. Como também, não dá para, de uma forma simplista, culpar quem vivencia um relacionamento desse tipo.

Quem passa pelo abuso psíquico precisa falar sobre ele. Através da escuta, a psicanálise oferece possibilidades para o indivíduo, a partir da singularidade de cada caso.

Referências:
Zimerman, David E. Fundamentos psicanalíticos : teoria, técnica e clínica : uma abordagem didática. Porto Alegre, 1999.

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