Frase Psicanalítica | Chaves - Chespirito
Sem se dar conta, o indivíduo comete equívocos, que a sua consciência rotula de “erros” e, que muitas vezes, não alteram significativamente suas relações.
Quando o personagem mexicano Chaves (Chespirito) pronunciava: “Foi sem querer, querendo”, ele não imaginava como freudiano era o seu bordão.
Em “A Psicopatologia da Vida Cotidiana” (1901), o “sem querer querendo” é traduzido por Freud como um “querendo mesmo”, como um ato falho.
Para o autor, ato falho é uma representação do inconsciente na vida diária do indivíduo, através de equívocos na linguagem, no esquecimento e no comportamento.
Os atos falhos na linguagem talvez sejam os mais recorrentes ou, pelo menos, os mais conhecidos. Por exemplo, a pessoa chama a namorada atual pelo nome da antiga.
Assim como na fala, o ato falho na linguagem poderá também ocorrer na forma escrita, comum ao utilizar um corretor automático de textos, como o do whatsapp. O ato falho também pode ocorrer na interpretação equivocada de um áudio (lapso de audição).
Os atos falhos de esquecimento são os que abrangem os lapsos de memória. Um exemplo muito corriqueiro é trocar ou esquecer, temporariamente, o nome de alguém ou quando se esquece o local onde está guardado um objeto que será útil naquele momento.
Os atos falhos de comportamento são os equívocos na ação, onde existe um comprometimento temporário das funções motoras, ocasionando o erro. O resultado é um movimento conscientemente indesejado. Por exemplo, quebrar um objeto do qual não gostamos.
Assim, sem se dar conta, o indivíduo comete equívocos, que a sua consciência rotula de “erros” e, que muitas vezes, não alteram significativamente suas relações.
Com a elaboração da primeira tópica, Freud faz a divisão do aparelho psíquico em três sistemas: consciente, pré-consciente e inconsciente. Sendo que cada um desses sistemas representa um lugar (topos) no nosso aparelho psíquico. E é exatamente em um desses lugares, o inconsciente, de onde emana o ato falho.
Através do recalcamento, que é um mecanismo de defesa, são jogados para o inconsciente conteúdos perturbadores ou que podem não ser bem aceitos socialmente. Desse modo, atos falhos funcionam como meios simbólicos para manifestar desejos, sentimentos e afetos que não deveriam se expressar abertamente.
Qualquer indivíduo, para poder viver em sociedade, terá de se adaptar, de alguma forma, aos códigos e normas vigentes. Isso vai requerer renunciar ou suprimir desejos, ou seja, recalcá-los. Contudo esses desejos persistirão, embora em um lugar desconhecido - o inconsciente.
Mas o recalcamento, como qualquer defesa, apresenta falhas que são exteriorizadas em circunstâncias de vulnerabilidade, quando o indivíduo não tem um controle consciente do que está exteriorizando. Normalmente, em momentos em que está passando por conflitos internos.
Os conteúdos recalcados estão ligados às pulsões (impulsos sexuais e impulsos agressivos), se manifestando por meio dos esquecimentos, enganos, tombos e outros tipos de “erros”. Assim, a ocorrência dos atos falhos fornecerá dados para que se possa conhecer, mesmo que indiretamente, o inconsciente.
Freud coloca o ato falho como sintoma, como um acordo entre o Eu e o que está sendo recalcado. Assim, o intuito desses “erros” seria proteger nosso sistema de crenças, camuflando os desejos que habitam o inconsciente.
Diferentemente dos “erros comuns”, os atos falhos não se caracterizam como algo aleatório ou desprovido de sentido. Através deles, desejos inconscientes do indivíduo são exteriorizados na sua realidade cotidiana.
Como os sonhos e os chistes, são formações do inconsciente e não obra do acaso. No contexto da análise, não devem passar despercebidos porque simbolizam pensamentos e refletem desejos do inconsciente que foram recalcados.
Enquanto processo social, o erro comum se torna ato falho quando um equívoco de um indivíduo precisa ser decifrado por outro para ser compreendido. Assim, um “erro” inconsciente pode significar um “acerto” consciente. Por isso, os atos falhos são valiosas ferramentas de investigação na psicanálise.