O analista pode ter ideologia?

Todos nós temos um sistema de crenças e isso, inevitavelmente, molda nossas ideologias. Portanto, o analista não é exceção. Ele também é permeado por ideias que o conectam ao mundo.
Entretanto, dois aspectos merecem reflexão:
O primeiro ponto diz respeito ao contexto atual, onde aquilo que não se ajusta à ordem social frequentemente é rotulado como “patológico”. Os manuais estão constantemente criando novos transtornos e, com isso, as subjetividades acabam sendo desconsideradas. O indivíduo é reduzido a rótulos que mascaram sua singularidade.
O segundo ponto, mais sensível, incide diretamente sobre a prática clínica: a escuta analítica, que está além do simplesmente “ouvir”. Ela deve operar em muitas dimensões, inclusive no silêncio do analisando. É na escuta onde o paciente pode expressar seu desamparo, livre de interrupções e julgamentos.
A escuta requer do analista certo grau de autoconhecimento para que ele possa manter uma postura neutra. Quando isso não ocorre, o senso comum se sobrepõe à singularidade do seu vínculo com o paciente e a escuta fica comprometida. Por isso, o analista precisa estar consciente de suas próprias ideologias, preconceitos e crenças para não as projetar sobre o analisando.
Em uma sociedade marcada pela polarização, a clínica não é lugar para o analista validar suas convicções ou comprovar suas teses. Ao contrário, ele deve estar aberto às perspectivas do analisando, favorecendo seu processo de autodescoberta.
(LH Albuquerque)